Friday, April 21, 2006

BSO

Mexe e remexe a cabeça para tentar encontrar uma forma de voltar a falar-lhe. Tem pretexto, não tem o número de telefone.

Senta-se e levanta-se, fuma mais um cigarro, lembra-se daquela noite em que lhe cantou ao ouvido numa paragem de autocarro no Cais do Sodré.

«Ah, és tu! Pelo apelido não estava a ver mas reconheci a voz rouca.»

As pausas sucederam-se na conversa, como se quisessem dizer mais alguma coisa que não podiam, que não calhava bem, que foram trocando nos olhares naquele outro dia em que se encontraram num sítio insólito.

«Estás bem? Há quanto tempo...»
«Estou e tu? Há quanto tempo...»

Olha-lhe a boca e tenta lembrar-se do sabor. Espreita-lhe as mãos que agarram o copo mas esqueceu-se do toque.

Ele ri de cada vez que a encontra no meio da multidão. Ri como se se encostasse o ombro ao dela, numa paragem de autocarro, às duas da manhã, no Cais do Sodré.

E ela ri de volta como se cantasse para ele.

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