Monday, March 26, 2007

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Tocaram-se pela primeira vez estava ela sentada na secretária, os óculos postos para ver melhor as letras a passarem-lhe nos ombros, no pescoço e na barriga.

As pernas a apertarem-se e os dedos dos pés contorcidos do prazer que saía do écrã directamente para o corpo. As frases causavam sensações mais físicas do que seria possível imaginar e ela sentada, em frente ao computador, percebia-lhe as mãos e cheirava-lhe a pele.

Já se conheciam há muito tempo mas nunca se haviam tocado. Nem um olhar tinha denunciado uma tensão, nem um toque fortuito causou arrepio. Foi naquele dia no trabalho.

Encontraram-se mais tarde. Passaram semanas e ela dormia a ver as letras a juntarem-se, as frases que iam caindo na janela e a atingiam em cheio na pele e ela sentia-o na boca.

Olharam-se e riram. Ele deitou palavras fora, despejou uma agenda enorme e ela foi caminhando.

Sempre a pensar na hora em que ele a agarrava e lhe escrevia em cima.

Era mesmo isto

Faz agora mais ou menos um ano, qualquer coisa por aí, e ela embarcava numa espécie de aventura submarina, num périplo desconhecido pelo deserto das emoções.Teve o desplante de olhar de frente um futuro que se lhe anunciava em branco, intrincado, maravilhoso, terrível. Planos absurdos, vontades insensatas, o sentido de família, a implosão da inspiração, as letras que lhe saíam de dentro como formas de amar, a tentação de correr riscos, o passear no arame sem olhar para baixo, os olhos fechados e o rezar para não cair. Foram tão poucos os eventos dignos de nota, os factos, os encontros, mas tantos, tantos, os sobressaltos do coração. Já para não falar nas coincidências, que pareciam uni-los a cada esquina, e nada. Mas ela esperará por ele o tempo que for preciso (disse-mo hoje ao ouvido).

in Controversa Maresia

Saturday, April 22, 2006

A máquina

Mais uns minutos de sexo industrial. Sexo industrial dá jeito. É como se de uma linha de montagem se tratasse.

Começa por tocar ali. Volta, meia volta, gira, toca. Mais a baixo. Mexe. Lambe. E já está.

Agora ela.

Sexo industrial pela manhã, sexo industrial à hora marcada, orgasmo quando toca a campaínha.

Fábrica de químicos.

Fábrica de fluidos.

Fábrica de desejos satisfeitos.

Tudo está previsto no computador que manobra as mãos, as pernas e as línguas. Uma tecla que se pressiona e começa a manufactura.

Mas não sabe a caseiro. Não sabe.

Friday, April 21, 2006

BSO

Mexe e remexe a cabeça para tentar encontrar uma forma de voltar a falar-lhe. Tem pretexto, não tem o número de telefone.

Senta-se e levanta-se, fuma mais um cigarro, lembra-se daquela noite em que lhe cantou ao ouvido numa paragem de autocarro no Cais do Sodré.

«Ah, és tu! Pelo apelido não estava a ver mas reconheci a voz rouca.»

As pausas sucederam-se na conversa, como se quisessem dizer mais alguma coisa que não podiam, que não calhava bem, que foram trocando nos olhares naquele outro dia em que se encontraram num sítio insólito.

«Estás bem? Há quanto tempo...»
«Estou e tu? Há quanto tempo...»

Olha-lhe a boca e tenta lembrar-se do sabor. Espreita-lhe as mãos que agarram o copo mas esqueceu-se do toque.

Ele ri de cada vez que a encontra no meio da multidão. Ri como se se encostasse o ombro ao dela, numa paragem de autocarro, às duas da manhã, no Cais do Sodré.

E ela ri de volta como se cantasse para ele.

Thursday, April 20, 2006

Estava indecisa...

O corpo que já não produzia uma única gota de suor, o estômago que não se apertava, o coração que passara a bater compassado, fosse do tempo sempre igual ou do comprimido que todas as manhãs engolia encostada ao frigorífico.

Telepizza, canalizadores, uma fotografia, desenhos do miúdo, uma conta atrasada por pagar. A garrafa de água ficou arrumada, ajeitou um dos ímanes e saiu porta fora, esquecendo-se já do beijo de despedida, mas voltando atrás para cumprir a obrigação.

Os lábios que já se conhecem, como se de uma cara se tratassem. Os repetidos adeus, até logo, bom trabalho. A porta fecha-se. Como todos os dias.

Como ao final do dia se irá abrir e ela fechará os olhos quando ouvir o som da chave a rodar. Já dorme. E sonha com outro presente.

Primeiro

Que já não se sentia. Que a vida tinha dado tantas voltas e reviravoltas que já nem as pernas lhe eram, ou os olhos a viam. Como se no espelho perguntasse quem és tu agora?

Talvez uma ilusão.